Embora ninguém discorde da urgência de um sistema de identificação civil mais seguro no país, para emitir uma espécie de novo RG do brasileiro, falta consenso sobre como isso deve ser feito. Projeto enviado pelo governo ao Congresso cria o Registro Civil Nacional (RCN), administrado pela Justiça Eleitoral, e sepulta o Registro de Identificação Civil (RIC), que vinha sendo elaborado pelo Executivo e já custou ao menos R$ 7,1 milhões. Para o deputado Julio Lopes (PP-RJ), relator da matéria, nem um nem outro. Ele promete um substitutivo ao texto.
O parlamentar defende que o CPF se torne o documento principal de identificação no país. Ao CPF de cada brasileiro, explica Lopes, seria associada a biometria (foto e impressões digitais) colhida pelos institutos estaduais de identificação e também os dados biográficos (como filiação e estado civil) de responsabilidade dos cartórios. No RCN, os dados biométricos são coletados pela própria Justiça Eleitoral, que já vem realizando o recadastramento dos eleitores. Lopes acredita que o modelo proposto no projeto acarreta “retrabalho”.
— Queremos aproveitar as capacidades instaladas dos institutos de identificação e dos cartórios, que já fazem isso com competência. Por que não unificar o que já temos, em vez de gastarmos mais de R$ 2 bilhões, como prevê o projeto, com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fazendo retrabalho? — questiona o deputado.
O presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, rebate a crítica e diz que os custos serão estendidas ao longo do tempo. De acordo com ele, o gasto de R$ 82,6 milhões, com equipamentos e serviços, já resultou no cadastramento biométrico de quase 32 milhões de eleitores. Toffoli questiona ainda a lentidão para unificar a base de dados dos institutos de identificação dos estados.
— Faz 20 anos que estão tentando fazer essa unificação. O TSE já está fazendo. E vamos continuar a fazer, independentemente do projeto de lei. O que estamos oferecendo ao governo é a utilização desse banco único de dados, com padrão internacional de biometria — afirma Toffoli.
O RCN, caso aprovado, funcionará com duas biometrias: digital e facial. O banco será gerenciado pela Justiça Federal. Para fazer checagem de dados, impedindo que uma mesma pessoa tire mais de um documento, o programa do TSE conta com o Sistema de Identificação de Impressões Digitais Automatizado (Afis, na sigla em inglês) — o mesmo usado em vários institutos de identificação do país.
Já no caso do RIC, o mais indicado era o uso da íris dos olhos como biometria complementar à digital. O projeto, que também conta com o Afis, previa que os institutos de identificação do país continuariam a fazer as coletas biométricas, dentro de padrões reconhecidos internacionalmente. Os dados seriam centralizados em algum órgão do Executivo federal, que gastou R$ 2,4 milhões com um projeto piloto de impressão de identidades e R$ 4,7 milhões em estudos encomendados para a Universidade de Brasília.
Na última segunda-feira, O GLOBO mostrou que a falta de um sistema de identificação civil único custa ao país R$ 11,5 bilhões ao ano, em virtude de fraudes. Apesar das perdas, não há consenso sobre o projeto de lei. Há críticas à proposta do governo, por colocar nas mãos de outro Poder um banco de dados tão rico. Afif Domingos, que foi ministro da Micro e Pequena Empresa e um dos formuladores do projeto, afirma que a base de informações será “compartilhada” com estados e municípios e com o governo federal. Para ele, colocá-la a cargo do TSE é uma forma de garantir um documento de identidade mais seguro e com economia de recursos.
(Fonte: O Globo)